Conjur: STJ “Dividido” Votou 12 a 2 em Favor de Prisão de Arruda

Padrão

Arruda Malmajuda

Marco Aurélio “Primo de Collor” Melo nega um mandado de habeas corpus ao governador licenciado do Distrito Federal, Roberto “Não violei o painel do Senado — peraí — pensando bem, violei sim” Arruda.

Buemba! Buemba! Buemba!

Entretanto, a manchete do dia — de ontem, para falar verdade — vem do Consultor Jurídico:

Prisão do governador José Roberto Arruda divide ministros do STJ

Um colegiado dividido?

Lembra as famosas palavras de Abraham Lincoln: “Uma casa dividida contra si não pode perdurar.”

Demorou um pouco, mas com a ajuda de Google Notícias Brasil, consegui saber a exata votação em favor da prisão preventiva do governador do Distrito Federal (PP-PSDB-PFL-DE(M)fenestrado).

Foi de 12 a 2.

Se fosse o placar do Fla-Flu, falariamos de um jogo apertado entre times quase iguais?

A manchete de ConJur parece exagerar a “polêmica” numa tentativa de sugerir que o caso fosse quase um empate, em vez de uma goleada.

Mais porque? Bem, é conhecido que o Márcio Chaer leva, como Batman, uma dupla vida: como “jornalista” do meio jurídico e como dono da agência 1-2-3, fazendo publicidade para advogados como Lorival J. Santos, ex-assessor jurídico da Editora Abril, além de advogados de Daniel Dantas.

Mais vou deixar para a turma de Nassif fazer a hermenéutica e kremlinologia do assunto.

Ministros questionaram competência do STJ, defenderam aplicação do princípio da presunção de inocência, mas acabou prevalecendo tese de flagrante permanente.

Eu não sou advogado, muito menos um perito na administração de justiça no Brasil, que sempre dá-me a impressão que acabei de aterrisar em algum universo paralelo.

Eu conheço sofismas elementárias, porém.

O exagero da polêmica entre a turma togada do STJ aqui chega às alturas do que nós nerds de retórica, lógica e discurso chamam de uma falsa dilema.

A matéria, uma seletiva crónica narrativa do processo, abre a maioria do espaço para detalhar os contra-argumentos dos dois magistrados que votaram contra, sugerindo desde o começo que decreto de prisão foi o produto de pressa. “Foi tudo muito rápido …”

(ConJur gosto do lide narrativo que beira nas técnicas de ficção. Me lembro daquele de Tognolli: “Foi uma noite fria e calculadora.”)

Falando tecnimente, o que temos aqui e aquela sofisma de malabarismos semânticos conhecida como anfibologia, no serviço de um argumento a premissa implícita da qual é uma falsa dicotimia.

O x da questão é a ambiguedade da palavra “dividido.” Vamos consultar meu dicionário online preferido.

dividido adj (part de dividir) 1 Que se dividiu. 2 Separado em partes ou pedaços; partido. 3 Que consiste em partes ou divisões distintas; partilhado. 4 Separado em divisões, seções, classes ou grupos distintos; repartido, distribuído, classificado. 5 Separado em lados ou grupos opostos; apartado. 6 Desavindo, desacorde.

As definições relevantes são (5) e (6).

Trivialmente, é verdade que tem dois lados opostos da questão: Prender Arruda ou não. Propostas mutuamente exclusivas.

Mais se houvesse desacordo entre o colegiado todo é uma questão que admite de gradações. Não é uma questão de sim ou não.

Se só dois magistrados descordaram da decisão, podia-ser dizer que houve um alto nível de consenso e poucas desvanças. Não podia?

Ora, houve desacordo e desvença recentemente no Tribunal Supremo dos Estados Unidos sobre se a legislação que regula doações de campanha estivesse coerente com os princípios da Magna Carta do país.

Em voto de 5-4, divido entre magistrados assentados por Reagan e Bush (GOP) e magistrados assentados por Clinton e Obama (DEM), o Corte acabou com os limites estabelecidos na lei para doações de campanha feitas por empresas e entidades de classe empresariais.

O fiel da balança desse delicado equilíbrio continua sendo uma polêmica profunda sobre os direitos civis de pessoas jurídicas relativo aos direitos de pessoas físicas.

O IBM ou Exxon tem direitos humanos como aqueles enumerados nas dez primeiras emendas à Constituição (“The Bill of Rights”)?

Acho certo dizer que lá, para as tomadores de decisões — se não para a opinião pública em geral — existe uma divisão palpável e polarizante sobre esta questão.

Isso, em fim é uma polarização institucional: uma questão de princípios fundamentais, com vantagem estreita para a maioria, por enquanto.

A falsa dicotomia, portanto, no relato enviesado de ConJur, seria o seguinte:

“.Não pode existe polêmica que seria à mesma vez um consenso unanime, por definição; ergo qualquer falta de unanimidade é uma polêmica.”

É assim que o ConJur trata da prisão preventativa de Arruda:

A questão levantada pelo ministro Nilson Naves gerou bastante polêmica. Naves argumentou que não sendo o STJ competente para iniciar a ação penal contra o governador, não pode, portanto, determinar prisão preventiva, pois o inquérito presidido neste Tribunal já foi concluído. Foi acompanhado pelo ministro Teori Zavascki, que alegou pouco tempo para refletir sobre o assunto, mas que não entendia qual a necessidade de um governador ser preso nessa fase do processo.

Todos os magistrados tem um voto com peso igual, mais o voto desse magistrado tem mais peso, por ele ter mais gravitas — o apelo à ethos — e por ter citado vários precedentes na jurisprudência do STF (não ficamos informados sobre exatamente quais):

Zavascki abriu uma pequena lista de ministros que seguiu a questão levantada pelo decano do STJ, enumerando vários habeas corpus julgados no Supremo Tribunal Federal, onde ficou decidido que é indispensável ouvir o Legislativo local para processar o governador.

O que não entendo nessa versão dos atos da Corte é como, se o resultado final fosse de 12 a 2, parece que quatros ministros votaram contra.

“Vamos ter de enfrentar a questão de constitucionalidade”, argumentou Teori Zavascki. Os ministros João Otávio de Noronha e Castro Meira também votaram pela incompetência do STJ de determinar a prisão do governador nessa situação.

Houve mais que uma votação? Sobre várias fases do processo?

Detalhes estão faltando dessa narrativa — detalhes de facto e detalhes de jure –que portanto não faz muito sentido.

Mais agora vem a maioria esmagadora porém leviana ignorante para espernear a sabedório dos filósofos-reis. Produzem um único e solitário precedente, o produto de uma pesquisa Google da última hora:

A luz da discussão veio com questão levantada pela ministra Eliana Calmon. Ela buscou no site do STF e encontrou o HC 89.417, relatado pela ministra Cármen Lúcia, que relativizou a necessidade de se ouvir o Legislativo local para decretar prisão de governador. Eliana Calmon convenceu pelo menos dois dos que estavam contrários à prisão de Arruda.

Agora, outros dois opositores — se não for o caso deles serem os mesmos dois citados acima — faria seis que initialmente inclinavam contra a prisão.

Fim do primeiro tempo com  o placar empatado!

O segundo tempo é passado torcendo pelo time visitador, com os argumentos dos dois magistrados contrários detalhados:

O ministro Nilson Naves não se convenceu. “Não consigo me livrar da questão constitucional, não vejo necessidade de se impor prisão de governador”, afirmou o decano do STJ. Para ele, não seria possível decretar a prisão nem dos secretários. “A regra para mim é a liberdade, a exceção é a prisão, pois presume-se que a pessoa é inocente até a sentença condenatória”, afirmou o ministro Naves.

Tudo bem. Solte o Maníaco de Guarulhos para aguardar julgamento em liberdade.

Nilson Naves entende que a denúncia de que o governador estaria coagindo testemunhas e impedindo o andamento do processo não é suficiente. Para ele, o Ministério Público “tem meios para evitar que isso continue acontecendo”.

E o outro voto contrário, de um juridiquês impenetrável:

O ministro Luiz Fux argumento que “a prisão preventiva não pressupõe o recebimento da denúncia ou o recebimento da ação penal, mas pressupõe exatamente coligir os elementos para a propositura da ação penal”.

Pressupõe coligir a rebimboca dos elementos do nhemnhemnhem para melhor parafusetação da testemunha ocular o quê?

Os argumentos da líder da maioria são tratados mais laconicamente:

Já a ministra Eliana Calmon foi mais incisiva e considerou que a prisão preventiva ocorre quando há flagrante. “É um caso de formação de quadrilha, em que o flagrante é permanente”, afirmou.

Vários ministros — quantos? — curvaram antes da indignação das massas :

Para decidir pela prisão preventiva de José Roberto Arruda, vários ministros alegaram que não decretar seria “uma homenagem à impunidade”.

Em fim, Arruda continua preso, mais o ConJur oferece boas dicas pra defesa dele se ele gostasse de entrar com ação de inconstitucionalidade.

Para mim, a grande omissão desse relato foi a questão de fato: Quais os indícios de que Arruda estaria utilizando a máquina do estado para impedir investigações, a quão contudentes foram as provas oferecidas? O promotor comprovou o caso dele? As provas foram adequadas para estabelecer a presença de um risco para a administração de justiça?

Nem o Ministro Naves parece negar que os fatos alegados estão acontecendo, sim.

“… tem meios para evitar que isso continue acontecendo”.

Ora, a decisão de enforçar prisão preventiva, para quem assiste Law & Order, tende a ser uma avaliação de risco. Como o Maierovitch assinalou, por exemplo, a avaliação de Marco Aurélio que Cacciola não apresentava risco de fuga foi um análise de risco muito duvidoso.

Você sabe como funciona: O Maníaco podia estuprar e matar de novo. Deixe ele ficar no xilindrô até o julgamento.

Eu, no entanto, pago fiança naquele caso das minhas muitas multas de trânsito e prometo tomar taxis até é decidida se eu perca minha habilitação ou não. Portanto não apresento risco de fuga. Com esse trânsito? Não vou para lugar nenhum. Eu fico lá em casa, assistindo televisão para afastar-me da lembrança.

Como sempre, no entanto, a morosidade da justiça brasileira não combina com a drama de justiça mostrado na série norteamericana.

Tem gente passando anos em cana antes de serem indiciados, muito menos julgados e culpados.

Mais a drama de justiça encenada aqui pelo ConJur me lembra, antes de mais nada, da peça “Rosencrantz and Guildenstern Are Dead,” de Tom Stoppard.

Stoppard tirou personagems marginais, com umas duas falas numa cena só, de Hamlet, e fez deles, e da sua insignificância e confusão no meio de tanta intriga de Corte, o alvo dos holofotes.

Brilhante como literatura, mais como jornalismo, é marrom e pouco informativo.